
Nossa História
Ciência e Arte: memórias expostas de uma Instalação Multimídia
Morar em Liberdade: Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira traz imagens das histórias do tempo presente.
O início dessa criação foi uma pesquisa histórica em arquivos públicos, quando buscamos “marcas da paisagem” que nos ajudassem a visualizar o modo como os envolvidos narravam suas histórias. Destacam-se os acervos de exposições do Centro Cultural do Ministério da Saúde, Museu da Loucura, Museu do Inconsciente e Museu Bispo do Rosário, onde encontramos um vasto material iconográfico e de imprensa.
Percebemos o quanto da história da Reforma Psiquiátrica Brasileira já foi contada por imagens e o quanto essa produção está organicamente vinculada aos movimentos de conquista da garantia de direitos humanos. Encontramos peças-chaves das denúncias nacionais e internacionais que mostram a face sombria do terror do antigo paradigma asilar que segregava as pessoas com sofrimento psíquico em nome da ciência, “em nome da razão”.
Morar em Liberdade, em contrapartida, trata do lado luminoso dessa história recente de conquistas da própria existência na cidade, do direito à voz e a usar seu próprio nome, exigindo-se visível.
Esses registros e compreensões somente foram possíveis porque, no meio do caminho dessa pesquisa, encontramos com os usuários da Saúde Mental atuantes nos movimentos sociais e com o acervo em vídeo e a equipe da TV Pinel com suas tecnologias de produção de comunicação comunitária. A estreia desses diálogos e dessa parceria ocorreu em 2017, quando reunimos um grupo de trabalho para fazer os registros em fotografias e vídeos nos 30 anos do Encontro de Bauru.
Entre janeiro e dezembro de 2018 percorremos três cidades — Barbacena (MG), Paracambi (RJ) e Juiz de Fora (MG) — em busca de pessoas que vivenciaram longas internações psiquiátricas e hoje reinventam jeitos de habitar a cidade, circulando pelas ruas e conquistando novos lugares sociais. Mais do que sobreviventes e testemunhas, encontramos provas vivas das reinvenções humanas e da esperança brotada da desinstitucionalização.



Os testemunhos diretos, histórias de si dessas pessoas, ao contrário do que se pode pensar, não se encerram nessas interdições e cicatrizes deixadas pela barbárie. O que recolhemos ao perguntar sobre eles remete ao que pulsa para além desse passado. Algo como se não houvesse mais tempo a perder olhando para trás porque a seta do tempo os impulsiona para a experiência de reinventar a vida.
A sensibilidade dos registros fotográficos do cotidiano, combinada com as falas e expressões diretas dos usuários da Saúde Mental e dos trabalhadores compostas em vídeos curtos, oferece ao espectador um panorama vivo dessas transformações. No momento dos registros e primeiras edições (2018), era uma gota de esperança no oceano turbulento da conjuntura dos desmontes das Políticas Públicas e da contrarreforma da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Hoje, é uma história do tempo presente que precisa ser relembrada para fortalecer nossas práticas de reconstrução social.


O que os usuários e trabalhadores nos mostram é que a rua se abriu para eles como espaço de descobertas e diálogos da vida em liberdade.
A expressão da simplicidade dessas conquistas de habitação, lazer, vínculos afetivos e pertencimentos, trabalho e educação nos ajuda a mostrar que os usuários, quando saem das instituições asilares por meio das políticas públicas, conquistam os direitos que lhe foram negados. Como um ato comunicacional capaz de integrar a existência no intenso habitar da casa-cidade — direito à comunicação e direito à cidade — , criamos o conceito central da curadoria da Instalação Morar em Liberdade.
Morar em Liberdade é uma expressão histórica da beleza dessas conquistas sociais. O conjunto documental exposto é parte das pesquisas “Memórias da Saúde Mental: Cultura, Comunicação e Direitos Humanos” e “Avaliação do Programa de Volta para Casa”, ambas do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília em parceria com a TV Pinel. A instalação virtual que apresentamos aqui foi recriada 13 vezes em diferentes formatos físicos e locais, nutrida pela aspiração de que ainda tenha muitas outras versões, rasgando os véus dos preconceitos, ampliando a visibilidade e os deslocamentos subjetivos das trocas entre sociedade e loucura.
Desejamos evocar memórias e renovar compreensões sobre a Saúde Mental e a Atenção Psicossocial para despertar o olhar distraído para o cuidado.
Desejamos espelhar o tempo das conquistas, convidar quem quer que se aproxime para uma reflexão sobre a importância da garantia dos direitos humanos de todos nós e celebrar todos que, de algum modo, fazem parte deste longo capítulo da história brasileira.
Marcas da Paisagem




As fotos de Luiz Alfredo para a Revista O Cruzeiro são as primeiras denúncias públicas das violações praticadas nos hospitais psiquiátricos. O autoritarismo político abafou os gritos da “Sucursal do Inferno”.
Helvécio Ratton lança o documentário Em nome da razão que mostra os pavilhões do Hospital Colônia de Barbacena em relatos de fome, tortura e choques. Cenas que foram comparadas ao holocausto nazista.
A Casa de Saúde Anchieta, a “Casa dos Horrores”, em Santos (SP), passa por intervenção determinada pela prefeita Telma de Souza.
É celebrado em Bauru o “Encontro de Bauru: 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios” e iniciamos os registros do “Memórias da Saúde Mental: Cultura, Comunicação e Direitos Humanos/Morar em Liberdade" em colaboração com a pesquisa de "Avaliação do Programa de Volta para Casa".
Linha do tempo
Uma colagem aberta da Reforma Psiquiátrica Brasileira – entre a micro e a macro história das Políticas
Sintetizando as informações sobre a Reforma, apresentamos uma Linha do Tempo interativa, da década de 1960 aos dias atuais – uma compilação heterogênea com tópicos multimídia e súmulas para os principais documentos administrativos que consolidaram a regulação das Políticas Públicas de Saúde Mental no Brasil. Um passeio guiado pelos momentos de transformações civilizatórias legais/institucionais e culturais da Saúde Mental e Atenção Psicossocial brasileiras, quando política e ciência criaram novos modos de cuidar das pessoas em sofrimento psíquico.
Estão registradas desde as primeiras denúncias sobre a realidade cruel dos hospitais psiquiátricos que violavam direitos humanos, passando por todo o processo de formulação e tramitação da lei 10.216, implementação dos serviços de bases territoriais e do cuidado em liberdade, até as disputas das contrarreformas recentes e caminhos das reconstruções sociais iniciadas em 2023.
Um recurso técnico-científico aberto para colaboração (ampliação e atualização), oferecendo os elementos basilares do processo histórico para que qualquer pesquisador possa utilizar informações, produzir materiais didáticos, insumos para o advocacy e interações em rede.